quinta-feira, 13 de outubro de 2011

(3) SEXUALIDADE HUMANA

EM UM CONTEXTO DE SUBALTERNIZAÇÕES, ALIENAÇÕES, DESIGUALDADES E DOMINAÇÃO ADULTOCÊNTRICA, PORTANTO DE NEGAÇÃO DA ESSENCIALIDADE HUMANA E DA DIVERSIDADE IDENTITÁRIA

 INDICADORES GERAIS PARA A ANÁLISE DO CONTEXTO SOCIAL, POLÍTICO-INSTITUCIONAL E JURÍDICO BRASILEIRO, COMO JUSTIFICATIVA PARA A REVISÃO DO “PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES”

Por Wanderlino Nogueira Neto.  
2010. Brasília. Edição Comitê Nacional para Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes[i]

INTRODUÇÃO

Uma visão social de mundo, como embasamento

A partir de uma determinada “visão social de mundo[1], engajada e comprometida com as necessidades, os desejos e os interesses da classe trabalhadora e dos grupos vulnerabilizados (em função da sua identidade de geração, gênero, raça/cor, etnia, orientação sexual etc.) – necessário se torna construir novo ordenamento jurídico e novo ordenamento político-institucional, ambos de caráter transformador e emancipatório e com igual engajamento e compromisso. E, por conseqüência, deve-se mais se construir ou rever planos estratégicos situacionais de promoção de direitos humanos e de proteção desses direitos quando ameaçados ou violados, como novas formas de reordenamento normativo e político-institucional. Particularmente, no caso presente, a partir dessa perspectiva citada, deve-se rever o vigente “plano nacional de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes” (sic).

Novos discursos científicos, normativo-jurídicos e políticos precisam ser pensados e explicitados, com esse embasamento e com essa finalidade. E novas práticas sociais e políticas decorrentes precisam ser formuladas e desenvolvidas. É necessário, que pensamento e práticas respondam de maneira transformadora e libertária a todo um desvelado contexto social, marcado estruturalmente pela (1) negação da essencialidade humana, através da alienação na cotidianidade, da espoliação e subalternização sócio-econômica e das desigualdades sociais e pelo (2) desrespeito à diversidade identitária de cada um.

A partir desses quatro indicadores de análise, torna-se importante construir uma nova e especial maneira de se encarar, por exemplo, as situações de violência, exploração, abuso e discriminação sexual contra crianças e adolescentes, enquanto pessoas humanas e de se intervir no enfrentamento dessas situações através do acesso à Justiça e do desenvolvimento de políticas públicas, minimamentemente.

Toda tentativa de fazer tudo isso com base em uma pretensa neutralidade axiológica ou de uma neutralidade ideológico-política[2] deve ser rechaçada: é preciso pensar e atuar a partir de um compromisso com certos paradigmas, princípios e valores e com uma determinada luta libertária, nesse sentido, revolucionária. Essa opção de luta pela transformação é uma das opções políticas que se pode escolher (ou não!), em função de uma preliminar e determinada “visão social de mundo[3]. Ou seja, de uma determinada forma de analisar a conjuntura, tendo como base e justificativa uma utopia emancipatória/libertária[4]. Mas também se pode optar por outra qualquer forma de analisar a conjuntura, tendo como base uma ideologia autoritária/totalitária e conservadora, que se deve exigir seja explicitada sem escamoteações.

A partir dessa perspectiva transformadora/emancipatória e revolucionária, posta acima, isto é, a partir de uma determinada visão social de mundo nessa perspectiva - nossa reflexão teórica e nossa prática de ação (pensamento em ação) deveriam buscar, no atual momento histórico, apoio estratégico na teoria ou doutrina jus-humanista[5], para construírem, tanto uma teoria geral dos direitos fundamentais e seu correspondente ordenamento jurídico[6], quanto uma política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos (específica!), em favor da criança e do adolescente. E a partir disso, mais especificamente, aqui, nesta análise do contexto social, para revisitarem e revisarem o vigente “Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes” (sic), no Brasil.

E, nessa doutrina jus-humanista, deveremos todos nós buscar, seus paradigmas ético-políticos, seus princípios jurídicos, seus parâmetros, suas diretrizes gerais, suas estratégias, seus objetivos, suas metas, a mensuração e avaliações de processos/resultados/impactos, seus responsáveis/parceiros/aliados, seus modelos de gestão e financiamento: toda uma formulação e um planejamento (estratégico situacional), elaborados a partir dessas questões preliminares, aqui postas. Ou seja, um plano re-elaborado, não como mero documento tecno-burocrático, mas como documento político, embasador de uma prática social verdadeiramente revolucionária.

UM CONTEXTO SOCIAL, MARCADO PELA NEGAÇÃO DA ESSENCIALIDADE HUMANA

Generalidades sobre o contexto social e político-institucional: a efetividade social e a eficácia jurídica do direito e das políticas dependem do levantado e avaliado na análise dessa situação conjuntural e estrutural, isto é, do contexto social.

A definição de uma política de garantia, promoção e proteção[7] de direitos humanos da criança e do adolescente (específica!) e seu decorrente planejamento geral e temático[8] dependem preliminarmente de uma análise da situação, ou seja, dependem do contexto social sobre o qual ela vai incidir; oportunidade na qual se levantará, analisará e avaliará o quadro multidimensional das relações geracionais, como condicionante desse trabalho de definição/formulação/planejamento citado. Isso também se deve aplicar, conseqüentemente, à revisão do “plano nacional de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes” (sic), em andamento e discussão no Brasil, quando do seu décimo aniversário de elaboração e elaboração.

Sendo assim, há que se concluir que esse plano em revisão dependerá para sua maior efetividade, eficácia e eficiência, da sua capacidade em responder a esse contexto social nitidamente marcado pela negação da essência humana[9] de crianças e adolescentes que tiveram seus direitos sexuais violados, vitimizados pelas diversas formas de violência sexual:
(1)   pela alienação na vida cotidiana (“cotidianidade”);
(2)   pelos processos perversos de subalternização da classe trabalhadora e das franjas vulnerabilizadas próprios do regime capitalista;
(3)   pelas decorrentes desigualdades e iniqüidades.

Esta é a primeira constatação e inicial indicativo que aqui se propõe, no momento em que a sociedade civil organizada[10] e governo pretendem - conjuntamente - discutir a revisão do citado plano nacional, a ser feita ao final pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA; em consonância com o Programa Nacional de Direitos Humanos III, recentemente formulado como política de Estado e depois aprovado, em parte, por decreto presidencial, como política de governo[11]. E concomitantemente em consonância também com o processo de elaboração do “plano decenal da política de direitos humanos para crianças e adolescentes”, que se desenvolve no âmbito do CONANDA, atualmente.

Levantando e avaliando uma realidade perversa e perversora: análise do contexto social, a partir dos índices de alienação, subalternização e desigualdade/iniqüidade

Em uma visita aos dados e informações totalizados, a partir das fontes primárias de dados e informações, quatro fatores tendenciais se destacam e justificam que se priorize o enfrentamento desses fatores na revisão do planejamento das ações em favor dos direitos sexuais da infância e adolescência[12]: (1) os processos de subalternização das classes trabalhadoras e dos grupos vulnerabilizados, no modelo capitalista; (2) a alienação social do segmento infanto-adolescente (e de suas famílias), na cotidianidade (consumismo, sexismo, reificação, heterogenização etc.) e (3) as desigualdades/iniqüidades de todos os tipos - econômicas, políticas, sociais e jurídicas.

Tanto no tocante às ações das políticas públicas minimamente nas áreas da saúde, educação, assistência social, da cultura, segurança pública, relações exteriores, direitos humanos e planejamento/orçamentação (exemplo), quanto no tocante às ações para garantir e qualificar acesso à Justiça - todos os processos de levantamento e análise de dados e informações passam a ter mais sentido e mais efetividade se colocarmos eles todos confrontados com os específicos dados e informações, a respeito dos altos níveis de negação da essência humana (dignidade e liberdade, por exemplo) que marcam e condicionam essas ações públicas governamentais e não governamentais de garantia dos direitos sexuais de crianças e adolescentes e de enfrentamento das diversas formas de violência sexual contra esse segmento populacional.  

UM CONTEXTO SOCIAL, MARCADO PELA DOMINAÇÃO ADULTOCÊNTRICA

O adultocentrismo[13] hegemônico e as lutas contra-hegemônicas, emancipatórias, transformadoras e afirmativas de relação à essencialidade humana[14] e à diversidade identitária geracional de crianças e adolescentes

Na maioria das sociedades, as diferenças biológicas entre crianças/adolescentes e adultos justificam e legitimam desigualdades, no que diz respeito ao poder atribuído aos adultos sobre crianças / adolescentes. Isso se reconhecerá como uma cultura popular e institucional adultocêntrica, onde se estabelecem relações de discriminação, negligência, exploração e violência, isto é, de dominação sobre crianças e adolescentes, num claro (mas raramente reconhecido) processo de hegemonia social, cultural, econômica e jurídica do mundo adulto, em detrimento do mundo infanto-adolescente.

Hegemonização adultocêntrica que repete o androcentrismo patriarcal-machista, o etnocentrismo racista, a homofobia sexista, por exemplo. Um adultocentrismo que reforça essas formas outras de dominação majoritária e a elas se alia, se acumplicia.

Movimentos sócias contra-hegemônicos

A tarefa básica dos movimentos sociais e de suas expressões organizativas[15], nos últimos tempos, no Brasil, tem sido a de procurar incidir sobre o Estado e sobre a sociedade de modo geral, no sentido da deflagração e construção de um “processo transformante-revolucionante”, emancipatório, contra-hegemônico (social, cultural, político, econômico e jurídico), atuando nas brechas dos blocos hegemônicos capitalista, adultocêntrico, androcêntrico, etnocêntrico, homofóbico etc.

Uma incidência que procura fazer com que o Estado e a Sociedade abandonem, cada vez mais, aquela linha tradicional alienadora e meramente filantrópico-caritativa, no caso de crianças, adolescentes, jovens e idosos, na qual as suas ações se configuravam como uma benesse ou favor do mundo adulto, apaziguando consciências e legitimando o higienismo dominante – uma linha castradoramente "tutelar", portanto, adultocêntrica.

Por sua vez, nascendo desses movimentos sociais e a eles vinculados (ou por eles influenciados), surgiram determinados movimentos conjunturais de luta, por exemplo, em favor de uma nova normativa internacional e nacional de caráter emancipador e transformador, que pudesse ser considerada uma aliada política no processo maior de lutas dos movimentos sociais em tal luta conjuntural específica por um novo Direito e por uma decorrente e nova Política. Mas é importante que se reconheça também que nem sempre todos os segmentos ou blocos de certos movimentos conjunturais estão aliados aos verdadeiros movimentos sociais e são orgânicos de relação a estes. Na verdade estão alguns blocos aliados (mesmo que sub-repticiamente) aos grupos hegemônicos capitalistas, adultocêntricos, por exemplo.

Nesse contexto de aliançamento de movimentos conjunturais com os movimentos sociais, estão os esforços de vários e determinados movimentos conjunturais históricos pela inclusão dos arts. 227 e 228 na Constituição Federal de 1988, pela ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança e pela aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, ambos em 1990. E se espera, no momento atual, que igual processo se repita, com um renovado movimento conjuntural, legítimo e aliançado com os movimentos sociais, pela formulação e planejamento de uma política específica que dê conta da efetividade social e eficácia jurídica do novo Direito, ou seja, a Política Nacional de Garantia, Promoção e Proteção dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes.

Essa luta transformadora e emancipadora, por um novo Direito e por uma nova Política, ambos em favor da infância/adolescência, precisa ser feita como parte da “incidência-em-combate[16], mais ampla, dos movimentos sociais na luta dos trabalhadores e dos citados grupos vulnerabilizados e marginalizados (em especial, oprimidos, discriminados, negligenciados, explorados, violentados[17]), para o enfrentamento da questão social, em sua radicalidade.

Contudo, nesse contexto maior, a luta dos movimentos por direitos infanto-adolescentes ainda se faz em nível um tanto incipiente, se compararmos, por exemplo, com aquela outra pelo fortalecimento da identidade feminina, pela emancipação radical da mulher e pela construção de uma nova masculinidade - a democratização das relações de gênero.  Ou se compararmos com luta semelhante contra todas as formas odiosas de discriminação e violência a que são submetidas as populações negras ou indígenas, as minorias eróticas[18] e outros segmentos sociais vulnerabilizados, no Brasil e no resto do mundo.

As mulheres, os negros, os índios e os homossexuais, por exemplo - eles próprios sofrendo na própria pele a dominação e opressão - se organizaram e construíram discursos e práticas alternativas de radicalidade, com indiscutível efetividade e capacidade de alteridade e de transformação, como processo contra-hegemônico.

Eles todos citados partiram inicialmente do reconhecimento do antagonismo intrínseco com os blocos hegemônicos, capitalista, machista, racista e homofóbico, p.ex.. O fato dos nossos movimentos conjunturais por direitos e suas expressões organizativas, envolvidos nessas lutas emancipatórias, combaterem pela sobrevivência de sua essencialidade humana e identidade própria, isso faz realmente diferença, quando se coteja com o discurso e prática (mesmo os mais progressistas...) de alguns movimentos e organizações que lutam pela infância e pela adolescência, ainda eivados de certo paternalismo sub-reptício.

Normalmente, é a partir de dentro do próprio bloco hegemônico adultocêntrico que a luta pelos direitos da criança e do adolescente se faz, com um discurso crítico e uma prática engajada e conscientizadora: compromisso, solidariedade e cuidado. São adultos que tentam fazer sobrelevar em si mesmo seus interesses e desejos de bloco majoritário dominante, para se comprometerem com os interesses e desejos dos oprimidos, com o empoderamento ou potencialização estratégica[19] de crianças e adolescentes, para sua emancipação, para se tornarem sujeitos da História – reconhecendo e tolerando[20] sua "face" identitária (de classe, geração, gênero, sexualidade, raça etc.). 

Mais radicais e, portanto mais rápidos e efetivos seriam os discursos e as práticas contra-hegemônicas e emancipatórias do segmento infanto-adolescente, se o nível de consciência e organização de crianças e adolescentes chegasse a ponto de construírem um real "protagonismo"[21] nessa luta, inclusive buscando alianças diretas com outros oprimidos - um fortalecendo o outro.

Se tal consciência e papel assumissem as próprias crianças e os adolescentes, eles forçariam a nós, "adultos convertidos", a lutarmos realmente "com eles" e não apenas "para eles", como ainda prevalece em nosso tempo, com raras exceções. A participação proativa[22] de crianças e adolescentes - no mundo familiar, social e político -, passaria a se dar a partir deles próprios e não como concessão do mundo adulto e como decorrência de políticas, programas e projetos artificiais que, mais das vezes, promovem de fora para dentro essa pro-atividade e ao mesmo tempo a emolduram e domesticam.

Como dizia Berthold Brechet: “Só quando se tem a corda ao pescoço é que sabe quanto nos pesa a bunda”.[23]

A busca de alternativas

Nessa luta emancipatória e transformadora em favor de crianças e adolescentes (jovens e idosos, por extensão), há que se procurar alternativa nova, através de instrumentos normativos, de espaços públicos (institucionais ou não) e de mecanismos estratégicos (políticos, sociais, econômicos, culturais, religiosos e jurídicos) que se tornem verdadeiros mecanismos de mediação[24], nessa luta pelo asseguramento da essencialidade humana e da diversidade identitária geracional, vencendo esse processo de des-humanização, de dominação e opressão, de desclassificação social de crianças e adolescentes, no jogo hegemônico e contra-hegemônico que condena grandes contingentes desse público infanto-adolescente, no Brasil e no mundo.

A depender da resposta dessas crianças e adolescentes, em sua relação com a família, a justiça, a polícia, os conselhos tutelares, as igrejas, a escola, os órgãos de atendimento assistencial etc.etc., eles ganham rótulos e são categorizados no processo de triagem próprio desses sistemas de regulação social.

A lógica da reação social em detrimento da essencialidade humana e da identidade geracional: saídas possíveis em face de um processo adultocêntrico de dominação, num quadro geral de subalternizações e de desigualdades.

Sob esse prisma específico, a análise da situação de dominação adultocêntrica reenvia ao tema da “reação social”, inicialmente informal-difusa da sociedade e comunidade, depois formal-institucional do aparato estatal. E essa reação social merece consideração quando se pretende aprofundar na construção do aqui se chamou de novo Direito e nova Política.

Reação social que além do mais, numa linha de radicalização, pode se tornar inclusive desviante e marginal, arbitrária e violenta: por exemplo, os arrastões, as institucionalizações ilegais, os procedimentos abusivos, a proibição sistemática do ir-e-vir[25], as torturas, os banimentos, o extermínio. Reação social pela qual, os comportamentos infanto-adolescentes, que se distanciam das normas prevalecentes nos seus ambientes, são reprovados, rotulados-estigmatizados, condenados à vendeta social, quando não expurgados violentamente (extermínio?).

Por isso, quando se enfrenta a questão da relação entre adultocentrismo e reação social, urge se considerar a lógica e a prática dos atores envolvidos, de ambos os lados da ordem de geração – mundo adulto e mundo infanto-adolescente. Ou seja, é importante considerar-se a perspectiva do segmento social dominado e subalternizado, em face da norma e do sistema de regulação social dos quais se distancia e em face inclusive dessa reação social decorrente de tal distanciamento. E deve-se considerar a ótica dos aparelhos de repressão, dentro dos sistemas de regulação social, em face da marginalização e do marginalizado.  Isto é, igualmente importa em se considerar o itinerário socio-biográfico da criança ou do adolescente. A maneira pelas quais crianças e adolescentes avaliam sua capacidade de operacionalizar suas normas pessoais de referência e/ou as normas do seu meio próximo circundante.

Quando se enfrentam questões, por exemplo, como a dos “garotos michês” e das “garotas de programa” na exploração sexual-comercial e a dos “aviõezinhos” no narcotráfico - importa levar-se em conta a lógica peculiar deles, as suas especiais necessidades sexuais, sócio-culturais e financeiras, a normatização peculiar dos seus guetos e o papel desclassificante/reclassificante, normatizador e sancionador/protetor de seus pais e parentes, de policiais, de juízes e promotores, de seus advogados, de professores, dos namorados e companheiros, do cafetão, do pai-de-rua, do bicheiro, do traficante etc. 

Esse público infanto-adolescente deve ser chamado a “superar” essa condição de vida considerada marginal, imoral, ilegal. E não apenas moralisticamente a “negá-la”. Um menino ou uma menina que vivia da prostituição, mesmo deixando essa forma de expressão sexual e profissão, não poderão ter uma vida sexual igual a de um outro adolescente de sua mesma idade, mas que não viveu essa situação, de exacerbação dos seus desejos e necessidades: terão a partir de agora novas exigências sexuais, sócio-culturais e financeiras que precisam ser consideradas. Nem tão pouco a eles se poderá oferecer algum tipo de posto de trabalho rotineiro, repetitivo, desprazeiroso, que lhe renda tostões e sem perspectivas de crescimento, de trazer-lhes reconhecimento social acima do padrão médio pequeno-burguês. 

Na interatividade entre indivíduo e agrupamento se encontra a possibilidade de sobreviver e resistir, mesmo no interior das relações dominadoras e opressora adultocêntricas. A galera e a turma criam um novo “espelho”, onde esse adolescente pode se olhar agora sem susto, elevando sua baixa auto-estima. O “mundo-lá-fora”, os “outros” e suas “regras” passam a ser “careta”, isto é, incômodos, obsoletos e perigosos. Um mundo velho a impedir o surgimento do novo, do “radical”. E a solução estará na busca do "irado". Os funckeiros da Favela Tal, a turma da Rua Qual, aquela Galera de Rock-Garagem, aquele Grupo de Grafiteiros, os meninos-de-rua liderados por Beltrano, os drogadictos ligados a Fulano, determinados michês, travestis e assemelhados etc.etc., passam todos a se sentir fortes e reconhecidos socialmente, exclusivamente em seus redutos, em seus agrupamentos, que lhes reforçam a auto-estima construída nessa “rede de relações entre pares”. Mas, a reforçar também o sentido de exclusão, apartação, subalternização e dominação. E, a partir desse sentido de pertença ao agrupamento e desse auto-reconhecimento social no seio do grupo dominado, se produz uma cultura própria a ser considerada.

Uma arte peculiar, por exemplo, que se torna instrumento operacional da superação da crise vivida pelo adolescente. Mas um instrumento operacionalizador também desse distanciamento da norma e de contestação ao sistema de regulação social. E igualmente de integração mais radical e permanente do adolescente a sua galera, gang etc. Assim sendo, por essa “cultura marginal” passam também os processos de neutralização da marginalidade e de ascensão social e de reconhecimento social da sociedade como um todo, inclusive do próprio Sistema, antes negado e do qual se desviou o adolescente e sua galera. Essa transformação passa, por exemplo, pelo grafite,  hip-hop,  funk,  rap,  pagode, história-em-quadrinhos, banda-garagem. E pela moda.  

Em conclusão: “Não há caminho melhor no processo pedagógico para produzir essa ’transformação’ do que a introdução dos conceitos e das práticas de arte, cultura, beleza – minha prática no âmbito da educação e da arte leva-me a afirmar que a convivência com a estética é um direito fundamental da criança e do jovem, qualquer seja sua situação existencial” (LA ROCCA) [26]

Quando se trata de enfrentar a problemática da dominação e opressão adultocêntrica (discriminação, negligenciação, exploração e violência) da infância e da adolescência (a lhes fazer abortada a cidadania), até o momento, uma dúvida em princípio vem à mente, diante do quadro geral da efetivação da normativa legal e da operacionalização das políticas e das ações públicas, no Brasil:
§  As crianças e os adolescentes, quando marginalizados, estarão condenados, sem alternativas, à "tríplice danação da solidão, do gueto ou da fogueira" (Jean GENET)?
§  Qualquer solução terá que vir numa linha soterista-messiânica[27], a partir de fora e de cima – como uma outorga, uma salvação, uma redenção, marcada pelo sinete do perdão abastardador e alienador?  Terá que vir numa linha puramente assistencialista/repressora e tutelar, desconsiderando a condição de cidadania dessa criança e desse adolescente?
§  Ou só seria possível uma resposta repressora, violenta e arbitrária do Estado e da sociedade - como ideológica justificativa da repressão à violência de crianças e adolescentes “desviantes-marginalizados”?
§  Devem eles se tornar também objeto de incidência do discurso e da prática daquele chamado “desvio institucional”, imputável aos próprios organismos oficiais de regulação social (arrastões, constrangimentos ilegais, torturas, extermínios etc.?

Há que existir alternativas

Além do imprescindível atendimento público tradicional pelas políticas sociais (educação, saúde, cultura, habitação e especialmente da assistência social), a luta contra as relações adultocêntricas deve ser vista como uma questão de garantia, promoção e proteção de direitos humanos. Reconheça-se, preliminarmente, que se devem tratar todas as crianças e todos os adolescentes, e a cada um deles, em respeito a sua essencialidade humana como sujeitos de direitos e em respeito a sua identidade geracional como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. Isto é, criança-cidadão e adolescente-cidadão que precisam de pessoas e grupos, responsáveis pela promoção e defesa dos seus direitos à participação, à proteção, ao desenvolvimento e à sobrevivência. Mas, eles próprios também responsáveis por seus atos, por sua vida.

Não é preciso que a proteção dessa pessoa em desenvolvimento, enquanto sujeito de direito, se torne exercício de um poder arbitrário da sua família, da sua comunidade, da sociedade em geral ou do Estado. Não se protege uma pessoa como se protege um pequeno animal feroz e perigoso, esquecendo-se que ele, de qualquer maneira, é um ser que já tem todos os direitos de um cidadão e como tal deve ser tratado; revertendo-se o processo de abortamento da sua cidadania.

Eles não precisam de proteção intrinsecamente, mas sim em determinadas circunstâncias, situações, condições, momentos: as necessárias limitações ao exercício de seus direitos devem ser entendidas como estratégias para garantir a plenitude desses direitos. Isto é, limita-se a autonomia deles para assegurar a plenitude da sua cidadania e não para torná-los menos-cidadão, cidadãos de segunda classe.

POSSÍVEIS CENÁRIOS EM CONSTRUÇÃO: AS AÇÕES AFIRMATIVAS, COMO FORMAS DE AÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICAEM OPOSIÇÃO ÀS AÇÕES HEGEMÕNICAS DE DOMINAÇÃO

A resiliência como estratégia de enfretamento contra-hegemônico e afirmativo da essencialidade humana e da diversidade identitária geracional de crianças e adolescentes: como fugir do tradicional modelo de dano em favor de um modelo potencializador das próprias capacidades ou competências, em evolução permanente da criança e do adolescente.

A criança e o adolescente, em si, já carregam uma carga de negatividade muito forte, que lhe impõe a ordem social adultocêntrica e que acabam assumindo. Importante se torna, então, a focalização estratégica positiva nos direitos e nas possibilidades práticas de sua exigibilidade. Com essa postura positiva, abandonamos também a descrença que nasce do “modelo do dano” (tanto dos atores oprimidos-dominados, quanto dos agentes públicos que com eles lidam), em favor da promoção da “resiliência”, enquanto potencial humano de passar por experiências adversas sucessivas, sem comprometimento da capacidade de superar esses percalços, de fazer bem as coisas e resgatar a própria dignidade. Promover a resiliência da criança e do adolescente significa fazer com que ele consiga construir seu sentido de vida e das coisas, seu lugar no mundo, no presente e, principalmente no futuro.  Como diz Cenise Vicente:
A resiliência é um fenômeno psicológico construído e não tarefa do sujeito sozinho; as pessoas resilientes contaram com a presença de figuras significativas, estabeleceram vínculos, seja de apoio, seja de admiração; tais experiências de apego, permitiram o desenvolvimento da auto-estima e autoconfiança” (VICENTE [28])

A participação proativa em construção, como estratégia de empoderamento e forma de ação contra-hegemônica contra o adultocentrismo. O problema do hermetismo da linguagem adulta competente/excludente e da guetificação da linguagem infanto-adolescente, como mecanismos respectivamente de poder e de sobrevivência. As possibilidades de comunicação bilateral. O ator falsamente protagônico e ator engajador e conscientizador

Esse fortalecimento da reflexão e da atuação da criança e do adolescente forçosamente nos levará ao ponto mais importante nesse processo de construção de cenários mais favoráveis aos processos de extensão da cidadania da criança e do adolescente, à superação do modelo adultocêntrico e à formulação dessa política de direitos humanos: a promoção da sua participação proativa na vida social em geral e particularmente no planejamento e no desenvolvimento das estratégias de sua integração social, fortalecendo neles um sentido de empoderamento (=empowerment), enquanto estratégia de potencialização do seu protagonismo social, enquanto metodologia para a garantia do seu direito de “ser ouvido e de ter sua opinião considerada” (CDC)

As crianças e os adolescentes, de um lado, não podem ser “massa de manobra”, manipulados por seus próprios dominadores. De um lado, não podem ser chamados a participar apenas reativamente, como forma de legitimação de um formalista “protagonismo social” ou de uma falsa participação, ouvindo-lhes as opiniões, as vezes, mas sem as considerar. Ou não podem de outro lado, ser deslocados para espaços meramente e equivocadamente “lúdicos” [29] e apartado. Fazendo com que eles percam sua capacidade de incidência sobre os espaços e mecanismos de discussão e ação política, sobre seus interesses, desejos e necessidades: fazê-los “brincar de casinha de boneca” simbolicamente, demarcando preconceituosamente espaços e mecanismos do mundo adulto e do mundo infanto-adolescente, sem pontes e sem parcerias.

Diante dessas duas alternativas deformantes da participação infanto-adolescente, é preciso evitar que, em certas circunstâncias (no caso de conferências, de seminários e encontros temáticos e outros tipos de eventos, promovidos pelo governo ou pela sociedade civil), crianças e adolescentes participem apenas de maneira reativa ou decorativa.

Nessas circunstâncias, os “adolescentes pseudo-adultos” (mini-adultos!?) são levados a um protagonismo individualista, descolados que ficam da sua identidade geracional e da sua inserção em organizações próprias e representativas. São atores-protagônicos, ao modelo teatral e cinematográfico, treinados para tal por determinadas lideranças societárias ou por seus pais/parentes, com discursos repetitivos e cheios de jargões; são crianças e adolescentes “prodígios”, que não conseguem formatarem um discurso próprio e autônomo.

Ou de outro lado, deve-se evitar igualmente que seus mecanismos de sobrevivência e resistência aos processos de dominação adultocêntrica sejam usados e manipulados (inclusive por eles próprios!) como forma de defesa no ambiente adulto, principalmente naqueles espaços de caráter adultocêntrico (explícito ou aparente), onde predominam as falas ou discursos técnicos, científicos e políticos nitidamente competente-exclusores, antagônicos ao saber popular e não-científico-formal: os condenáveis juridicês, economês, biologicismo-higienista, sócio-psicologista, de caráter elitista e corporativista etc.

Por exemplo, o mecanismo da guetificação[30] e do uso exclusivo da linguagem de gueto, quando esses atores ou só aceitam falar e atuar exclusivamente em seus guetos formais. Ou quando aceitam participar de ambientes imaginados hostis (o mundo adulto, visto simplificadamente) o fazem de maneira defensiva, usando como forma de comunicação codificada a linguagem do seu gueto, sem tentar construir pontes, nem assumir compromissos de luta política, construindo linguagens que sejam facilitadoras da comunicação para os processos de “doutrinação” e de “propaganda[31], como formas de incidência política

Como conciliar a comunicação necessária nascida da sua essência humana com a linguagem própria da sua diversidade identitária de geração (e mais, de gênero, raça, orientação sexual, localização geográfica etc.)?

Não se nega a validade da linguagem do gueto, da comunicação codificada/semiótica[32], quando se está circunstancial e conjunturalmente no seu gueto e se constrói ali, com uma fala peculiar, sentido de pertença: realmente não há como se condenar indiscriminadamente a vivência em guetos quando o chamado mundo lá fora é realmente hostil. Mas a guetificação é meio, estratégia de luta e não um fim em si mesmo. Mas nunca como forma de alienação e anestesiamento de suas lutas por reconhecimento, respeito e libertação.

As lideranças infanto-adolescentes que foram lançados a vivências em guetos (prostitutos, gays, travestis, ciganos, meninos-de-rua, drogadictos, infratores, abrigados, negros etc.) precisam aceitar construir as pontes com o resto da sociedade organizada, para possibilitar que sejam instrumentos de “mediatização[33], isto é, defenderem os desejos, interesses e necessidades do seu grupo vulnerabilizados em seus direitos. E para isso precisam fazer cessar a cantilena interminável e falsa de que o único empecilho para a luta no meio da sociedade e do aparelho estatal é a “linguagem”, quando na verdade lhes falta um processo de conscientização da suas necessidades, desejos e interesses e de explicitação tática, de alguma forma, formulando esse discurso, próprio em termos identitários, mas comunicantes e inteligíveis minimamente.

Capacidade para intervirem têm, quase sempre, crianças e adolescentes nesses espaços de construção do social, ao seu nível de maturidade. Mas, às vezes, falta-lhes capacitação em certos conhecimentos e treinamento em certas habilidades, para qualificar e fortalecer essa atuação/comunicação, como evolução da sua capacidade ou desenvolvimento. É preciso, pois se discernir entre o processo natural de desenvolvimento, de evolução da capacidade desses adolescentes e dessas crianças, com o processo construído de desenvolvimento de suas competências políticas, científicas, técnicas (formação, educação etc.).

A quantidade e qualidade das oportunidades de participação na resolução das situações reais influenciam os níveis de autonomia e de autodeterminação que eles serão capazes de alcançar também na vida pessoal, familiar, profissional, cívica, social (...) passa a ter diante de si uma oportunidade de ‘mobilizar’ em favor de uma causa, em favor de uma vida melhor, em níveis profundos, como uma opção de natureza pessoal, que lhe é fonte de prazer, de gratificação, de sentido de auto-realização”. (“Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei – Reflexões para uma Prática Qualificada” in Caderno n.01 / DCA-SNDH-MJ / org. Wanderlino Nogueira Neto / 1998).

PROCESSOS DE CONTRA-HEGEMONIZAÇÃO POLÍTICA E JURÍDICA NO ÂMBITO DO CONTEXTO SOCIAL E POLÍTICO-INSTITUCIONAL

Por fim, constate-se mais: as situações de negligência, exploração, violência, opressão e particularmente de discriminação, a que estão submetidos crianças e adolescentes, exacerbadas a partir de uma situação ou de desvantagem social (em função da raça, etnia, gênero, sexo, morbidade, pobreza extrema etc.), ou de vulnerabilidade (exploração sexual, abandono, exploração no trabalho etc.) ou de conflito com a lei (infração), justificam o quanto suficiente “discriminações positivas” em favor deles, com ações afirmativas que compensem esse quadro maligno desencadeador ou potencializador da dominação adultocêntrica.

Neste ponto de reflexão, interessa aprofundar a discussão especificamente sobre a contra-hegemonização política e jurídica, em favor dos segmentos geracionais submetidos a esse processo de dominação, em nossa conjuntura, mais particularmente crianças e adolescentes. É imprescindível que se creia que o Direito tem um poder transformador maior do que tradicionalmente se atribui a ele, em nosso meio, ainda muito marcado por um "substancialismo jurídico[34].

É imprescindível, além do mais, que se creia que as Políticas de Estado têm igualmente poder transformador, talvez menor do que tradicionalmente se atribui, pouco marcado ainda pela idéia de que a formulação e desenvolvimentos dessas políticas estatais fazem parte de um processo sócio-político mais amplo, meta-estatal, onde as pré-definições políticas nascem do próprio povo organizado, com capacidade de incidência sobre essas políticas públicas.

 Um Direito formulado pelos poderes do Estado é mais amplo e profundo que a Lei que o reflete, mas não o esgota. E, de outro lado, um mais amplo conceito de Direito, insurgente[35] do meio da sociedade, é mais profundo e mais legitimo que aquele citado Direito estatal e por conseqüência que a lei.

O CONTEXTO INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE[36], COMO BASE E JUSTIFICATIVA PARA SE FORMULAR UMA POLÍTICA TRANSFORMADORA E EMANCIPADORA, EM FAVOR DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

O planejamento da garantia dos direitos sexuais e do enfrentamento das diversas formas de violências sexuais também depende da análise do contexto político-institucional sobre o qual essa política vá incidir e onde se levante, analise e avalie sua inserção numa ambiência sistêmico-holística, ou seja, sua inserção em um sistema de garantia, promoção e proteção de direitos humanos, no âmbito do Estado e da sociedade.

A tradição do direito internacional dos direitos humanos levar-nos-ia à utilização da consagrada expressão "promoção e proteção dos direitos humanos", para se qualificar o ordenamento normativo e político-institucional, internacional. É só se conferir os textos de convenções, acordos, declarações e outros documentos internacionais ou multinacionais a respeito. É só se conferir além do mais, a farta doutrina científica (multidisciplinar/multidimensional[37]), em torno dos direitos humanos, no mundo. É só conferir, finalmente, o já criado e implantado (em termos de instituições e mecanismos) sistema internacional e regional de promoção e proteção dos direitos humanos, com seus órgãos integrantes (ONU, UNICEF, UNESCO, OIT, OMS, OEA, Corte Internacional de Haia, Tribunal Penal Internacional, Corte Interamericana de Direitos de São José da Costa Rica, Alto Comissariado para os Direitos Humanos e seu Comitê para os Direitos da Criança, Conselho Internacional dos Direitos Humanos etc.).

A partir da ratificação dos diversos instrumentos normativos internacionais[38] a respeito do tema, os países no mundo inteiro têm adequado seu ordenamento jurídico e seu ordenamento político-institucional, internos, aos paradigmas ético-políticos e aos princípios jurídicos dos direitos humanos. Assim se vem fazendo no Brasil com a ratificação de toda normativa internacional sobre direitos humanos, como, por exemplo, com a ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança - CDC

Mesmo a Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 24, XV e no parágrafo 1º do mesmo artigo, antecipando-se à CDC (aprovada pelo ONU em 1989 e ratificada pelo Brasil em 1990), prevê a criação de uma “legislação de proteção da infância e da juventude" [39] (grifei), com normas gerais federais e normas especificas editadas concorrentemente pela União e pelas Unidades Federativas. E determina mais além que, em determinadas circunstâncias de violação de direitos, crianças e adolescentes fazem jus a uma "proteção especial" [40].

E posteriormente o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) diz no seu artigo 1º que é seu objetivo dispor sobre a “proteção integral” de crianças e adolescentes. Aí a expressão “proteção” é tomada como sintética e contrata, de relação à expressão analítica e expandida “garantia, promoção e proteção de direitos humanos”.

Porém, os que lutam pelos direitos da criança e do adolescente, em nosso país, geralmente, têm certa resistência (mesmo inconscientemente) ao uso dessa expressão "promoção e proteção de direitos", preferindo a forma sintético-contrata de "garantia de direitos", num sentido amplo, genérico. Ou mesmo de "atendimento de direitos", expressão a-técnica, consagrada no Estatuto da Criança e do Adolescente[41].

Assim sendo, usar-se-ão aqui as três expressões, sinonímica e concomitantemente: “garantia de direitos humanos”, “promoção & proteção de direitos humanos” e “garantia, promoção e proteção de direitos humanos”.

Isoladamente, a expressão “garantia de direitos humanos” deveria ser usada como gênero, no seu sentido ampliado, abrangendo as espécies da “promoção e da proteção de direitos humanos” e do “controle” sobre esses dois eixos citados.

A expressão “promoção dos direitos humanos” isoladamente se usaria no sentido da criação de condições político-institucionais para a realização/efetivação dos direitos, a se fazer principalmente através do desenvolvimento das políticas públicas[42].

E, por sua vez, a “proteção de direito (humanos)”, também isoladamente, se usaria  como acesso à Justiça, para responsabilização dos violadores e para a defesa[43] dos violados, no caso de violação ou ameaça a esses direitos infanto-adolescentes, através da política judicial e público-ministerial[44] e subsidiariamente das políticas públicas.

Desse modo, a expressão mais ampla proposta de “garantia, promoção e proteção de direitos humanos” [45] consegue abarcar o gênero e suas duas espécies.

De qualquer maneira, o essencial é que a normatização jurídica das relações geracionais seja vista como parte integrante das esferas do direito internacional dos direitos humanos e do direito constitucional brasileiro (mais especificamente da sua teoria geral dos direitos fundamentais), como uma especialização desses dois ramos do direito.

Todavia, tem-se evitado, algumas vezes, entre nós a expressão "promoção e proteção de direitos", isoladamente, para evitar confusões com as velhas doutrinas ou teorias da proteção tutelar[46] (incluída nessas a chamada "doutrina da situação irregular", dominante no passado no cone sul da America Latina). Doutrinas tutelaristas essas que utilizavam particularmente a expressão “proteção” num sentido deformado, de dominação, castração da cidadania, coisificação, submissão ao mundo adulto, numa perspectiva puramente adultocêntrica.

De qualquer maneira, a expressão “garantia de direitos”, no seu sentido ampliado, tem prevalecido em nosso meio, merecendo inclusive sua consagração pela normativa operacional básica a respeito, como a Resolução 113 do Conanda. Esta última expressão igualmente tem a favor do seu uso no Brasil a circunstância de que o texto constitucional pátrio a consagra[47], quando se trata de assegurar, através mecanismos de exigibilidade específicos (“garantias constitucionais”), a efetividade dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais dos cidadãos - inclusive de crianças e adolescentes, obviamente. E assim, quando se falar em “garantias de direitos” de maneira simplificada, poder-se-á usar igualmente a expressão “garantia, promoção e proteção de direitos”, como sinônimas.

 Por fim, presume-se então que, quando se agregar, além do mais, o termo “defesa de direitos”, entender-se-á que se está querendo colocar mais foco na linha da proteção de direitos, particularmente nas ações de defesa (proteção jurídico-social) de crianças e adolescente com direitos violados e ameaçados. Significa que não se quer dar igual destaque às ações de responsabilização judicial (penal e não-penal) e não judicial dos violadores de direitos? Fica aqui a dúvida.

Registrando a história recente: a reflexão e a sistematização de uma teoria sobre sistemas de garantia (promoção e proteção) de direitos humanos no Brasil, nascendo de estudos acadêmicos na área do direito internacional público, passando pelas entidades de defesa de direitos até culminar com sua discussão e institucionalização pelo CONANDA.

Para melhor se entender (a) tanto a reflexão, no Brasil, em torno dos instrumentos, instâncias públicas e mecanismos de garantia, promoção e proteção (= defesa + responsabilização) de direitos humanos em favor da infância e adolescência e da juventude (jovens-adultos), (b) quanto a reflexão em torno da necessidade de se construir um discurso e uma prática sobre a articulação política ampla e a integração operacional pontual desses mecanismos, em rede, dentro de uma ambiência sistêmica - é de se relembrar rapidamente o passado recente.

Tal discussão sobre esses temas na área da infância e adolescência, bem como de outros grupos vulnerabilizados (afro-descendentes, mulheres, povos indígenas, segmentos-lgbtt, idosos, pessoas com deficiência etc.) se fazia, de maneira sistemática e ainda tímida, em 1991, por exemplo, no Núcleo de Estudos e Pesquisas Direito Insurgente – NUDIN[48], em Salvador. Essa reflexão e seus produtos[49] eram apresentados em termos amplos, quando se discutia a promoção e proteção dos direitos humanos de determinados grupos vulnerabilizados ou das então chamadas “minorias políticas” (negros, mulheres, minorias eróticas, crianças/adolescentes e jovens). Naquela oportunidade, em especial, procurava-se inserir, dentro desse contexto geral dos direitos humanos, o recém-editado Estatuto da Criança e do Adolescente e a recém-ratificada Convenção sobre os Direitos da Criança.

Posteriormente, o Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC, no Recife, em seus seminários de avaliação e planejamento, em parceria com a Save the Children Fund (Reino Unido), aprofundou mais essa reflexão, dando destaque, especifica e parcialmente, ao que se chamou de “Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente[50]; sem, porém abandonar a discussão sobre o campo genérico da promoção e proteção dos direitos humanos[51].

Essa discussão logo se ampliou para o âmbito da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED [52] e em seguida chegou ao CONANDA, que a consagrou em uma Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (1999); usando-se, daí em diante, a expressão “garantia de direitos”, amplamente, como sinônimo de “promoção e proteção de direitos”, abrangendo esse último binômio.

A partir daí, muito se produziu de doutrina a respeito da matéria, especialmente por fomento e provocação da Associação Brasileira dos Magistrados e Promotores da Infância e Juventude – ABMP, do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF e do próprio CONANDA – tudo isso ainda sem uma sistematização completa e sem que se construíssem certos consensos mínimos a respeito dos marcos teóricos, que só o tempo e o debate assegurarão.

No momento, ainda há uma preocupação maior na configuração física estrutural-funcionalista do sistema (e, portanto no desenho de diagramas didáticos), do que na sua essencialidade[53] e sinergia interna e externa (articulação e integração, ad intra et ad extra).

O espírito da época no passado e a atual dogmática jurídica: evolução da reflexão no Brasil sobre direitos humanos.

Em verdade, o Estatuto, em nenhum momento, é suficientemente claro quanto a esse “sistema de garantia de direitos”: trata-se mais de uma inferência, especialmente a partir dos artigos 86 a 90 e de uma transposição dos modelos internacionais e regional (interamericano). Esse sistema nasce muito mais do espírito da Convenção do que propriamente do texto do Estatuto[54].

Outras legislações de adequação à normativa internacional (a CDC especialmente) de outros países, posteriores ao Estatuto brasileiro, foram mais claras e mais explicitas, pois aproveitaram o tempo posterior de rica discussão no mundo, pós-edição da CDC, como, por exemplo, o Paraguai[55].

À época da edição do Estatuto (1990), a reflexão sistemática sobre instrumentos e mecanismos de garantia, promoção e proteção de direitos humanos no Brasil não tinha alcançado o alto nível que alcançou nos dias de hoje: intuía-se a necessidade de a-tecnicamente “atender direitos”, num esforço louvável para se superar o velho paradigma do “atendimento de necessidades básicas”, acolhendo-se o novo paradigma da “garantia e promoção/proteção de direitos humanos”. 

Em verdade, a própria discussão ampla sobre direitos humanos no país e sobre instrumentos, instâncias públicas e mecanismos de efetivação desses direitos humanos ainda era incipiente entre nós[56]. Especialmente como marco referencial jus-humanista para a normalização, formulação, coordenação e execução tanto de uma política pública institucional autônoma no âmbito do Poder Executivo, quanto de uma política judicial de acesso à Justiça no âmbito do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Mas, mesmo assim, não se pode negar que o Estatuto dispõe inquestionavelmente sobre garantia, promoção e proteção de direitos da infância e juventude, isto é, ele foi promulgado como norma reguladora dos artigos 227 e 228 da Constituição federal. Conseqüentemente, ele tem que ser considerado com uma norma de “garantia, promoção e proteção dos direitos humanos”, especificamente de crianças e adolescentes, vez esses dispositivos citados da Carta Magna têm essa natureza, equiparados que são ao artigo 5º da Carta Magna[57], complementados pelas normas da Convenção sobre os Direitos da Criança - CDC[58].

Deste modo, dever-se-á interpretar o Estatuto citado, a partir dos princípios e diretrizes da teoria geral dos direitos fundamentais (direito constitucional brasileiro) e do direito internacional dos direitos humanos; fazendo-se uma interpretação sistêmica dos seus dispositivos, em harmonia com as demais normas desses campos do Direito, tanto na ordem jurídica nacional, quanto internacional.

A OPERACIONALIZAÇÃO DOS MECANISMOS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, EM ESPECIAL, NO CASO DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Quando se procurar garantir os direitos sexuais e reprodutivos e enfrentar a chamada "violência sexual contra crianças e adolescentes" (ou seja, o abuso e a exploração sexual-comercial[59]) há que se planejaras ações dessas duas linhas de intervenção público - tanto a de caráter afirmativo dos direitos sexuais e reprodutivos, quanto a linha de caráter redutor/eliminador das violações e ameaças desses direitos. É importante que a explicitação, a análise e a avaliação do contexto social (situação) e do contexto político-institucional (marcos normativos e políticos) brasileiro, no momento, sejam a “proposta” à qual se dará uma “resposta” com o planejamento.  Isto é, o contexto deverá ser o pano-de-fundo sobre o qual se desenhará o planejamento estratégico situacional no campo da sexualidade humana. Nesse caso, objetivos e estratégias de promoção e proteção (garantia) de direitos sexuais nascem desse contexto. E em uma revisão do “Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes” há que se avaliar previamente em que medida essa promoção de direitos sexuais e essa proteção de tais direitos quando violados (“violência sexual”) foi impactada pela implementação do Plano original nestes dez anos de vigência, comparando-se o contexto de 2000 com o atual de 2010, a partir de cada ponto do referido Plano.

Por exemplo, nesta análise de situação contextual, tomemos como exemplo a atuação pública nas linhas da promoção de direitos sexuais e de proteção desses direitos ameaçados e violados, um dos pontos centrais do Plano multicitado.

Analisando-se a situação posta e dentro dela as ações governamentais e não governamentais, no campo do desenvolvimento das políticas de Estado (promoção de direitos) e do acesso à Justiça (proteção de direitos) – constata-se o quanto há de equivocado em se restringir as intervenções públicas exclusivamente, à responsabilização penal dos abusadores e exploradores sexuais – maniqueísta e reducionistamente, tirando boa parte da efetividade das ações públicas. É preciso se aprofundar essa estratégia da responsabilização penal (ainda necessária) e se ir mais longe ainda, de modo mais amplo e aprofundado, harmonizando-se todas as estratégias possíveis contempladas no Plano: controle (monitoramento & avaliação), prevenção, estudo, mobilização, responsabilização, atendimento direto etc.

Não se conseguiu assegurar, simultânea e articuladamente, por exemplo, (1) o atendimento médico e/ou psico-social do(a)s abusado(a)s e do(a)s explorado(a)s, em serviços ou programas especializados, (2) a sua inclusão com sucesso na escola, (3) o seu atendimento especializado por serviços do sistema único de saúde, (4) a inclusão das suas famílias (ou dos próprios beneficiários, conforme a idade) em programas sócio-assistenciais, (5) ou em programas de erradicação do trabalho infantil (especialmente, os de eliminação imediata de piores formas de trabalho) etc. etc.

Os isolados, imperfeitos e mal sucedidos processos judiciais e policiais de responsabilização penal dos violadores, geralmente, nestes 10 últimos anos, levaram à re-vitimização da criança ou do adolescente com seus direitos sexuais violados, pela falta dessa harmonização, conectação e desenvolvimento sistêmico-holístico. 

A visão reducionista da promoção e proteção (garantia) de direitos humanos (que a faz se esgotar na linha exclusivamente na responsabilização penal do violador), pode levar a um hiper-dimensionamento da figura do juiz dentro do sistema de garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes” (Resolução 113 – CONANDA); em oposição a todo avanço que se conseguiu nesse ponto de relação às rançosas doutrinas da proteção tutelar (e dentre elas a latino-americana "doutrina da situação irregular"), firmada na idéia do juiz-pai, do juiz-administrador, do juiz-higienista-terapeuta. Não caberia ao juiz (e conseqüentemente ao promotor, ao delegado de polícia, ao conselheiro tutelar – mutatis mutandi) fazer indevidamente o papel de gestores (formuladores, coordenadores e executores) de políticas públicas. E isso muito aconteceu nestes 10 últimos anos, apesar da Constituição Federal, da CDC e do Estatuto. São resquícios dessa visão reducionista-tutelarista, por exemplo, os juízes que normalizam amplamente através portarias, os que procuram desenvolver diretamente serviços e programas públicos, os que confundem controle judicial dos atos administrativos com supervisão hierárquico-administrativa, os que transformam conselhos tutelares em suas equipes multiprofissionais etc. E assim, esses magistrados esquecem seu papel primordial de prestadores da jurisdição, de "administradores de justiça à população que dela necessita" - papel indelegável e de suprema importância para o funcionamento do sistema de garantia dos direitos humanos, como um todo.

Por sua vez, o oposto deve ser igualmente condenado: isto é, a redução da proteção especial dos direitos sexuais dessas crianças e adolescentes submetidos a abusos e explorações, exclusivamente ao atendimento direto em programas e serviços de assistência social, educação e saúde, sem a responsabilização jurídica (civil, penal, administrativo-disciplinar etc.) dos violadores. Essa postura bastante equivocada leva à impunidade e à perpetuação do ciclo perverso de violações de direitos. O hiper-dimensionamento dos programas e serviços das políticas públicas também tem suas mazelas e remete ao assistencialismo, à filantropia, ao higienismo, à tutela – a satisfação de necessidades, desejos e interesses, sem a marca da qualificação dessa satisfação enquanto proteção de direitos humanos é um retrocesso, contra o qual se precisa igualmente lutar. Esse enfoque abastarda a vítima da violência sexual, ao ter seu direito a uma sexualidade livre e prazerosa reduzido a um mero interesse a ser tutelado, não reconhecido como dever do Estado. Pela proteção de seus direitos sexuais e portanto igualmente pela responsabilização dele próprio e do agressor sexual.

O importante é se harmonizar (1) a responsabilização do Estado (por cumplicidades e má prestação de serviços) e dos violadores sexuais (ampla: penal, civil, disciplinar, canônica etc.), (2) com a defesa dos sexualmente violados (serviços de apoio médico, psicológico, sócio-assistencial[60] e antropológico, nos processos de responsabilização dos violadores). E é importante se harmonizar, além do mais, essa linha de proteção de direitos sexuais (responsabilização e defesa) com a linha da promoção dos direitos sexuais através dos (3) serviços, programas e das ações gerais e específicos das políticas de educação, saúde, assistência social, turismo, habitação, trabalho, segurança pública etc., particularmente no viés preventivo. No processo de revisão do Plano há que se busque mecanismos que assegure isso chamado de harmonização estratégica, de complementaridade estratégica, de imersão das ações todas do Plano no meta-sistema, institucionalizado pelo Conanda em sua Resolução 113.

É preciso ser completamente descolado dessa realidade social e institucional acima analisada e da perspectiva dos direitos humanos no agir sobre tal contexto - se não procurarmos harmonizar essas 03 linhas supra citadas, isto é, firmarmos nossas ações de garantia dos direitos sexuais infanto-adolescentes e de enfrentamento das diversas formas de violência sexual numa linha única, isolada e exclusivista, negando-se viabilidade e validade a qualquer uma das três, deixando-se de atuar autopoética, holística  e sistemicamente.

Petrópolis, dezembro, 5, 2010.
Wanderlino Nogueira neto




[1]Conjunto orgânico, articulado e estruturado de valores, representações, idéias e orientações cognitivas; internamente unificados por uma perspectiva determinada por um certo ponto de vista socialmente condicionado” - LOWI, Michael. “As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen”. 8ª edição. São Paulo. Ed. Cortez.  2003.
[2] Um cuidado especial nesse ponto, pois certa parte do movimento conjuntural por direitos da criança/adolescente tem essa ilusão e se firma na ideologia conservadora da neutralidade e da despolitização das ações públicas.
[3] Conferir Michael Lowy, citado.
[4] Utopia = o que não está aqui agora aqui ainda, mas que se está construindo como cenário possível, histórico, verossímil.
[5] Teoria ou doutrina dos direitos humanos (multidimensional), também chamada na América Latina e no Brasil particularmente de “doutrina da proteção integral”, no campo dos direitos infanto-adolescentes, como se verá adiante.
[6] Isto é, uma teoria ou doutrina jurídica (Ciência do Direito) somada a uma normativa jurídica vigente (direito positivo ou dogmática jurídica: leis, decretos, resoluções, portarias, NOB, instruções normativas etc.)
[7] Segundo a tradição dos direitos humanos, usa-se aqui a expressão “proteção de direitos humanos”, quando são ameaçados ou violados. Ela implica didaticamente em dois ramos de atuação protetiva, complementares: (a) defesa dos violados em seus direitos e a (b) responsabilização dos violadores desses direitos
[8] Abuso e exploração sexual, trabalho infantil, conflito com a lei, convivência familiar e comunitária etc.
[9] Firmada especialmente nas categorias da dignidade, da liberdade e da igualdade.
[10] No sentido político-ideológico usado por Antonio Gramsci (inMemórias do Cárcere”), mais restrito e maispolítico-ideológico que o de população, terceiro setor, sociedade.
[11] No caso, tratando-se da reflexão da sociedade civil organizada, isoladamente, na revisão do multicitado Plano, sustenta-se aqui que essa consonância advogada deverá ser com a versão original ampliada do PNDH III, oriunda de formulação conjunta pelo governo e sociedade civil, em conferências e consultas públicas.
[12] E conseqüentemente de enfrentamento das diversas formas de violências sexuais, enquanto violações desses direitos sexuais infanto-adolescentes.
[13] NOGUEIRA NETO, Wanderlino. “Direitos Humanos Geracionais”. Fortaleza. Ed. SDH & CEDCA-CE. 2005.
[14] Essência da pessoa humana negada nos processos de subalternização, espoliação, alienação, exclusão etc.
[15] Movimentos sociais de real enfrentamento da verdadeira questão social, centralizados nela, posicionando-se em favor da prevalência das necessidades, dos interesses, dos desejos e dos direitos da classe trabalhadora e dos grupos vulnerabilizados e marginalizados (descriminados, explorados, violentados): mulheres, negros, indígenas, LGBTT, ciganos, quilombolas, ribeirinhos amazônicos, pessoas com deficiência e que vivem com o HIV, loucos etc. etc., para que sejam reconhecidos como direitos, num sentido amplo, mesmo os ainda não reconhecidos e garantidos pelo Estado (“direitos insurgentes”).
[16] No pensar de Lenine: “doutrinação e propaganda” e “ação revolucionária”.
[17] Evitou-se aqui o uso das tradicionais expressões “exclusão social” e “excluídos”, por sua limitação e ambigüidade na conjuntura atual no chamado Terceiro Mundo.
[18] Prostituto(a)s, gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros, etc.
[19] Empowerment
[20] Aqui no sentido positivo da expressão como o utilizado em estratégias de advocacy da UNESCO.
[21] Metodologia para se garantir o direito à participação de crianças e adolescentes
[22] Adiante se tratará mais aprofundadamente dessa questão quando finda esta analise da conjuntura se começar a esboçar os cenários possíveis para enfretamento da dominação adultocêntrica.
[23] “A Regra e a Exceção”.
[24] Mediação que afasta toda pretensão ideológica-conservadora de neutralidade e que parte do ponto de vista dos interesses e desejos das classes trabalhadoras e dos grupos vulnerabilizados e igualmente subalternizados
[25]Leis estaduais ou municipais e portarias judiciais chamadas de “toque-de-recolher, que nunca se pensou nelas mesmo no auge da vigência do Código de menores e da Política do Bem Estar do Menor e no auge do período ditatorial militar no Brasil.
[26] LA ROCCA ,Césare de Florio . 1998: “Reflexões sobre Liberdade, Direitos e Deveres Humanosin “Políticas Públicas e Estratégias de Atendimento Socioeducativo a Adolescentes em Conflito com a Lei” – Brasília: Ed. Ministério da Justiça / UNESCO
[27] “Salvação” a partir de um messias, de um herói, de um demiurgo - externo e superior (do grego “sotero” / sotero, isto é, salvador)
[28] VICENTE, Cenise. “Promoção da Resiliência” in “Políticas Públicas e Estratégias de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” – op. cit.
[29] Como se a ludicidade pudesse ficar ausente do atuar humano, de modo geral, como se ética e estética fossem campos separados
[30] Formação de blocos ou espaços isolados de iguais, de pessoas que se unem em guetos para sua proteção e livre explicitação de sua diversidade identitária (p.ex. racial, sexual, cultural etc.) – conferir Umberto Ecco.
[31] Conceitos retirados do pensamento de Lenine a respeito da comunicação na luta revolucionária..
[32] Semiótica = construção e uso de signos, símbolos, sinais, como forma de expressão e de comunicação
[33] No sentido restrito e específico do pensamento marxeano: mediar em favor de um dos pólos em conflito.
[34] GARCIA MENDES, Emilio - "Infância, lei e democracia: uma questão de justiça"
[35] “Direito achado nas ruas” – Roberto Lyra Filho
[36] Expressão consagrada na Resolução nº 113 / Conanda
[37] No campo da História, da Filosofia (Ética), da Sociologia, da Antropologia, da Ciência Política e da Ciência do Direito, por exemplo.
[38] Ver ANEXO ao final com quadro dessa normativa internacional
[39] Artigo 24, XV – CF
[40] Artigo 227, § 3°, I a VII - CF
[41] Artigo 86 – lei cit.
[42] Políticas sociais, institucionais, infra-estruturantes e econômicas
[43] Pede-se a atenção para o fato de que a “defesa dos violados” e a “responsabilização dos violadores” não deveriam ser vistos (como tem acontecido) como duas outras espécies de garantia de direitos, no mesmo nível da “proteção e da promoção de direitos”; mas sim como uma subespécie da proteção de direitos.
[44] Por força da Emenda Constitucional 45, que prevê a existência dessas políticas, sob responsabilidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e dos órgãos da administração superior do Poder Judiciário e do Ministério Público (em nível federal, estadual e distrital)
[45] A proteção de direitos implica tanto na defesa de quem tem seu direito violado  (chamado vítima) como na responsabilização do violador
[46] Doutrinas científicas no campo do direito, das ciências sociais, da psicologia, da pedagogia, da ciência política etc.
[47] Artigo 5º - CF
[48] Organização não governamental de estudos, pesquisas e ação social, formada por professores e alunos, associados, da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – UFBA, que atuava no campo dos Direitos Humanos especiais de grupos vulnerabilizados (“minorias políticas”), integrando a Rede dos Núcleos de Estudos do Fórum Nacional DCA. O NUDIN, à época, desenvolvia atividades acadêmicas de extensão para a cadeira Direito Internacional Público da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, como parte da organização não governamental Fundação Faculdade de Direito da Bahia.
[49] Apostilas do Curso de Pós-Graduação (latu sensu) em Direito Constitucional da Criança (Cooperação NUDIN, UNICEF, CBIA e a Fundação Faculdade Livre de Direito da Bahia). 1990: textos de Wanderlino Nogueira (org.), Vera Leonelli, Carlos Vasconcellos, Maria Auxiliadora Minahim et allii
[50] Interessava, naquela ocasião, no CENDHEC, discutir-se, mais especifica e aprofundadamente, a posição dos centros de defesa da criança e do adolescente, enquanto integrantes do “eixo da defesa de direitos” (ou garantia de direitos, no sentido estrito) e enquanto entidades de defesa responsáveis pela “proteção jurídico-social” de crianças e adolescentes com direitos violados (art.87, V – Estatuto da Criança e do Adolescente)
[51] CABRAL, Edson Araújo (org.); NOGUEIRA NETO, Wanderlino; BOSCH, Margarita Garcia; PORTO, Paulo César Maia; NEPOMUCENO, Valéria et alterii. 1993: “Sistema de Garantia de Direitos. Um caminho para a proteção integral”. Recife: CENDHEC / BID. Coleção Cadernos Cendhec – vol.8
[52] NOGUEIRA NETO, Wanderlino. “A Proteção Jurídico-Social” (tese aprovada em Assembléia Geral da ANCED). Revista da ANCED vol. 2. 1998
[53] Por exemplo, os marcos referenciais do multi-profissionalismo, da multidisciplinaridade, da inter-setorialidade e os paradigmas sistêmicos autopoiéticos e holísticos (conferir obra de Nikil Luhmann).
[54] Não se pode deixar de registrar que esse enfoque, no sentido da conformação ao modelo internacional/regional, já era advogado por alguns participantes do movimento de luta pelos direitos da criança e do adolescente que se empenhavam pela formulação do Estatuto citado de início e pela sua efetivação posteriormente: por exemplo, Aninna Lahalle, Maria Josephina Becker, Césare de Florio La Rocca, Yves de Roussan, Emílio Garcia Mendes, Irene Rizzini, Jaime Benvenuto, Valdênia Brito e outros.
[55] A nova lei paraguaia começa com capitulo referente ao sistema de garantia de direitos.
[56] Entre nós, no passado, as forças mais progressistas viam o discurso dos direitos humanos como caudatário do discurso sobre cidadania, numa linha neoliberal burguesa
[57] O artigo 1º do Estatuto citado deixa isso meridianamente claro e, em função disso, se tem sustentado em certas ocasiões que os artigos 227 e 228 da CF devem ser equiparados a “cláusulas pétreas”.
[58] Tratado reconhecido pela ONU como de promoção e proteção de direitos humanos
[59] Evita-se aqui o uso impróprio da expressão “pedofilia”, que na verdade tecnicamente, no campo próprio da saúde mental, é um distúrbio mental, um transtorno obsessivo compulsivo, uma parafilia, uma perversão sexual e, portanto tem sentido bem restrito (conferir LIBÓRIO, Renata Maria Coimbra – “Abuso, exploração sexual e pedofilia” in “Criança e Adolescente – Direitos, Sexualidade e Reprodução” org. UNGARETTI, Maria América. 2010. São Paulo. Ed: ABMP
[60] A atuação sócio-jurídica do Serviço Social, por exemplo, no interior sistema de Justiça, como parte do macro-sistema (ou ambiência sistêmica) de garantia, promoção e defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes (cfr. Resoliução 113 – Conanda)


[i] CURRÍCULO - O Autor é procurador de justiça aposentado do Ministério Público da Bahia e atualmente membro da Seção Brasil da rede Defense for Children International – DCI/DNI (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente - ANCED).    É graduado em Direito pela UFBA. Participou de curso de pós-graduação (sentido lato) na Universidade de Maccerata (Marche – Italia). Estagiou no Centro de Formação para a Proteção Judiciária da Juventude (Centre Vaucresson – Paris / França). Anteriormente exerceu a Chefia do Ministério Público do Estado da Bahia, como Procurador Geral de Justiça (Governo Waldir Pires) e exerceu mais o cargo de Diretor Geral do Tribunal de Justiça da Bahia e de Secretário Geral do Ministério Público do Estado da Bahia. Inicialmente foi Promotor de Justiça, Defensor Público, Curador de Menores e Procurador de Justiça no Ministério Público da Bahia. Foi jornalista do Jornal A TARDE em Salvador – Bahia. Exerceu as funções de presidente da Associação Baiana do Ministério Público e igualmente as funções de articulador-nacional da rede de núcleos de estudos sobre a criança e o adolescente e da rede de centros de defesa da criança e do adolescente (Fórum Nacional DCA), secretário nacional do Fórum DCA,  secretario executivo da ANCED-DCI, coordenador do grupo temático para monitoramento da implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança no Brasil. Foi professor-coordenador do Núcleo de Estudo Direito Insurgente – NUDIM da Fundação Faculdade de Direito da Bahia e primeiro presidente (fundador) do CEDECA-BAHIA - Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan. Foi professor de Direito Internacional Público no Bacharelado em Direito, na Universidade Federal da Bahia – UFBA. Integrou como professor-convidado a banca de doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (doutoranda Maria Lúcia Leal – “Mobilização da Sociedade Civil no Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”) e a banca de mestrado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (mestrando José Francisco Razek Filho – “O principio da prioridade absoluta em favor de crianças e adolescentes no orçamento público”).  Foi professor de Direitos Humanos em 02 dos cursos especiais para advogados da ANCED-DCI e de Direitos Humanos Geracionais no curso de pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do curso de pós-graduação (lato-senso) de Direito Constitucional da Criança na Fundação Faculdade de Direito da Bahia, em parceria com o UNICEF (escritório zonal em Salvador). Publicou vários livros da área dos direitos humanos gerais e especiais da infância e adolescência, preferencialmente, como por exemplo, “Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes” (2005. SDH-CEDCA-Ceará), “Agenda Criança 2000” (2001. Fortaleza. Ed. ANCED-UNICEF). Publicou mais especificamente com Maria Lúcia Leal, Maria de Fátima Leal e Otavio Cruz Neto, livro registrando uma pesquisa nacional e sua análise sobre “Tráfico de crianças e adolescentes para fins sexuais” (“PESTRAF-2002”), patrocinada pela OEA (College St. Paul – Chicago/EUA e CECRIA – Brasília/Brasil). Integrou com textos seus algumas coletâneas de ensaios, tais como, por exemplo:  Criança e Adolescente – Direitos, Sexualidade e Reprodução”, organizada por Maria América Ungaretti (2008. ABMP e WCF), “Infância, Direitos e Violência – Castigos Físicos” (2010.Salvador. Ed. CESE / MP-BA), “Direitos sexuais dos adolescentes socioeducandos – visitas íntimas” (Revista Brasileira de Ciências Criminais 81- 2009); “Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes” (1995. BID-CENDHEC. Recife); “Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente” (2006. Revista Serviço Social & Sociedade tomo 83. São Paulo. Ed.Cortez); “Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente” – org. Emílio Garcia et alii. São Paulo. Ed. Malheiros); “Direitos Humanos e Medidas Socioeducativas. Uma abordagem jurídico-social” (2008. Org. Celina Hamoy. Belém. Ed. ANCED); ”A escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção” (2010. Brasília. Ed. CRP – Conselho Federal de Psicologia); “A defesa de crianças e adolescentes vítimas de violências sexuais” (2009. São Paulo. Ed. ANCED); “Justiça Restaurativa” (2009. Org. Vera Leonelli. “Mediação Popular” - Salvador. Ed. JUSPOPULI /  SDH-PR); “Justiça Juvenil” (2007. org. Melisandra Trentin.  São Paulo. Ed. ANCED). Integrou a Comissão de Avaliação do Prêmio Socioeducando 2008 – ILANUD, UNICEF, ANDI e SPDH. Assessorou a Comissão Parlamentar de Inquérito- CPI da Assembléia Legislativa do Ceará sobre Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Representou a ANCED-DCI, junto à REDLAMYC nos encontros ibero-americanos para a infância (Montevidéu-Uruguai e Villarica-Chile) e coordenou o grupo de representação da Coalizão da Sociedade Civil Brasileira na audiência do Comitê dos Direitos da Criança da ONU (Genebra) quando defendeu o relatório alternativo elaborado pela referida coalizão (2004), com os demais membros da delegação brasileira. Foi consultor especial para o UNICEF (Brasil, Angola, Cabo Verde e Paraguai) na Área de Proteção (Direitos). Exerceu a supervisão geral de projetos de formação para a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores e Defensores da Infância e Juventude – ABMP. E coordenou 23 Seminários sobre “Justiça Juvenil” em Projeto da ABMP em parceria com a SPDCA-SDH.. Participou como conferencista no III Congresso Mundial contra a Exploração Sexual de Crianças (Rio de Janeiro - 2008), proferindo palestra sobre “Descriminalização e Impunidade – Responsabilização dos Agressores Sexuais”, no Painel 02. E com o mesmo tema participou do I Congresso Brasileiro contra a Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes (Rio de Janeiro – 2008). Participou mais do I Congresso Mundial de Justiça  Juvenil Restaurativa (2009. Lima – Peru) e do I Congresso Brasileiro de Justiça Restaurativa como palestrante (2010. São Luís / Maranhão). Prestou consultoria e foi palestrante (e/ou moderador) em inúmeros eventos do Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual, na preparação original e na revisão do Plano Nacional sobre o mesmo tema. E igualmente para o Fórum Nacional DCA na discussão sobre o Plano Decenal de Direitos Humanos da Criança e do Adolescente.

Petrópolis, dezembro, 2010.


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